Razão entre número de pagantes do sistema, que hoje é de quatro para cada pessoa que recebe aposentadoria, será reduzida a cada ano, chegando a 1,3 em quatro décadas

Razão entre contribuintes e beneficiários da Previdência reduz a cada ano — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

Porto Velho, Rondônia -
O envelhecimento mais rápido da população brasileira, acompanhado por uma redução no universo de pessoas com idade para trabalhar, vai impactar diretamente as contas da Previdência do país. Em 2070, a razão entre o número de contribuintes do sistema de aposentadorias e o número de pessoas que recebem o benefício deve chegar a 1,3. Atualmente, essa proporção é de quatro para cada beneficiário.

A projeção é do especialista Rogério Nagamine, ex-secretário do Regime Geral da Previdência, com base nos dados do IBGE divulgados no fim de agosto, e considera o regime de aposentadorias tanto de trabalhadores públicos como do setor privado no cálculo.

Nos últimos 40 anos, o universo de contribuintes para a Previdência, considerando aqueles com idade entre 15 e 59 anos, em relação à quantidade de aposentados — com 60 anos ou mais — caiu mais da metade. Em 1980, a proporção era de nove pagantes para cada pessoa que recebia o benefício. A expectativa é que essa razão continue caindo. Em 2034, por exemplo, deve baixar para três e chegar a dois em 2048.

As estimativas de Nagamine foram atualizadas com base na pesquisa de projeção da população, divulgada pelo IBGE no fim do mês passado — a primeira com base no Censo de 2022.

O pesquisador afirma que a fotografia coloca em xeque a sustentabilidade do regime de aposentadoria do país, de repartição, pelo qual os trabalhadores ativos contribuem para um bolo, que é repartido entre os beneficiários — e que hoje já tem pesados aportes da União porque as receitas não cobrem as despesas.

— Haverá um forte crescimento dos potenciais beneficiários e redução dos potenciais contribuintes ou da base contributiva — afirmou o especialista.

População idosa vai dobrar


Em 2054, a população de idosos deverá dobrar, dos atuais 34,2 milhões para 68,9 milhões. No mesmo período, a base de potenciais contribuintes deverá cair 13%, de 136,4 milhões para 118,6 milhões.

Já em 2070, o universo de pessoas com mais 60 anos deverá alcançar 75,3 milhões e o de brasileiros que contribuem com a Previdência deverá cair a 100 milhões, nas contas de Nagamine.

Para ele, a necessidade de fazer uma nova reforma da Previdência vai se impor em 2027, quando a última grande mudança no sistema, em vigor desde 2019, terá seus principais efeitos consolidados.

Ele mencionou que, além do regime de aposentadoria, o universo de idosos do país vai pressionar também outros serviços, como saúde e educação, o que exigirá políticas públicas adequadas.

Atualmente, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, mas há regras especiais e de transição que permitem requerer o benefício com menos idade.

Dados do IBGE revelam que 81,8% dos aposentados e pensionistas têm menos de 60 anos. Trabalhadores entre 15 anos e 59 anos representam 94,4% do total de contribuintes da Previdência. Por isso, o estudo considera essa idade na comparação entre contribuintes e beneficiários.

O economista Fábio Giambiagi, que há vários anos se dedica ao tema previdenciário, alertou que a cada revisão dos dados populacionais pelo IBGE, há uma piora nas projeções. Ele destacou o encolhimento no número de crianças e no universo de adultos em idade de trabalhar.

Na projeção de 2018, a estimativa de adultos ativos era de 136,5 milhões em 2060. Na revisão feita em 2024, a expectativa é que, em 2060, o número de pessoas em idade de trabalhar caia para 126,1 milhões. São 10 milhões de trabalhadores a menos, destacou Giambiagi.

— Haverá cada vez menos pessoas para sustentar o conjunto de aposentados — afirmou.

Giambiagi lembrou que, em 2018, o IBGE projetou que haveria 43,8 milhões de crianças em 2024 e que esse número cairia para 33,6 milhões em 2060. Nessa última revisão, o número de crianças baixou para 41,1 milhões, devendo reduzir para 26,8 milhões em 2060.

O demógrafo Cássio Turra, que estuda o processo de envelhecimento há 30 anos, observou que a dinâmica é estrutural e se move ao longo de décadas.

— O problema é que a Previdência consome muitos recursos do Orçamento e não sobra para investir em outras frentes, como o cuidado com o idoso. O risco que enfrentamos, já conhecido, é a combinação de baixo crescimento econômico com custos crescentes devido ao envelhecimento populacional. É importante lembrar que as políticas de transferência de renda e o sistema de saúde pública já existentes são insuficientes para lidar com esse processo de envelhecimento.

Impacto na produtividade

Para o economista-chefe da Leme Consultores, José Ronaldo de Souza Júnior, a evolução da população no Brasil terá impactos na produtividade. Como a população total será maior do que o número de pessoas em idade de trabalhar, será preciso produzir mais para que a renda per capita cresça.

Além de ter que melhorar a qualidade da educação, será preciso investir em cursos técnicos profissionalizantes e formar nas universidades profissionais demandados pelo mercado.

— É recomendável que se invista nos jovens para que os idosos de amanhã tenham maior escolaridade e mais facilidade de inserção no mercado de trabalho

José Ronaldo de Souza Júnior, economista-chefe da Leme Consultoria

Segundo Giambiagi, além de ajustes no regime previdenciário, como aumento da idade de aposentadoria dos trabalhadores rurais, hoje em 55 anos, será preciso discutir a indexação do salário mínimo aos benefícios para garantir a sustentabilidade do sistema.

— No caso da política do reajuste do salário mínimo, quanto mais tempo durar, maior será o sarrafo para o futuro — afirmou.

Mudanças trabalhistas

Para os analistas, a ampliação dos contribuintes para a Previdência depende do mercado de trabalho. Além do crescimento da atividade econômica, eles avaliam que é preciso mexer nas leis trabalhistas para reduzir o custo da contratação, ainda elevado no Brasil, apesar da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017.

Segundo especialistas, o regime específico do Microempreendedor Individual (MEI) poderia servir como instrumento para ampliar a base de contribuintes da Previdência, mas o problema é que o percentual de contribuição previdenciária é baixo, de apenas 5%. Combater a informalidade das empresas e criar alternativas para quem não contribui, e para quem contribui pouco podem ajudar, disse o economista José Ronaldo.

— Isso tem estimulado as pessoas a migrarem da contribuição como autônomo para MEI, o que reduz a arrecadação em nível individual e amplia o déficit atuarial — disse o economista José Ronaldo.

Segundo ele, um dos grandes desafios é regulamentar os prestadores de serviço das plataformas como Uber e iFood, pois a maioria é informal. O Ministério do Trabalho enviou um projeto ao Congresso para regulamentar os motoristas, mas ainda não conseguiu acordo para fazer a proposta avançar.


Fonte: O GLOBO